Dualidade
Naturalmente, o desconhecimento não é relativo ao significado da palavra em si, aquele que vem no dicionário, mas mais relativamente à aplicabilidade concreta nos contextos do quotidiano e da vida real.
Em resposta, digo normalmente, antes de me precipitar para a
exemplificação prática com situações concretas da vida de quem pergunta, manter
uma dualidade é querer o melhor de dois mundos, é querer conciliar o
inconciliável.
Muitas vezes confundida com indecisão, a dualidade tem
consequências extremamente nefastas na vida de qualquer pessoa que se mantenha
nesta posição durante algum tempo.
Ademais, muitos problemas de saúde mental encontram uma
relação direta com a tentativa de manutenção de situações impossíveis de
conciliar, ou seja, de dualidades.
Mas então, qual a diferença entre indecisão e dualidade?
Numa indecisão perante determinada escolha a fazer, está implícita
uma aceitação de que a escolha é necessária. Há uma compreensão de que apenas
uma das hipóteses colocada em cima da mesa poderá prevalecer.
Numa situação de dualidade, isto não acontece. Geramos uma
dualidade na nossa vida sempre que nos recusamos, na verdade, a fazer uma
escolha necessária e queremos manter as duas hipóteses, não abrindo mão de
nenhuma.
Às vezes, um pouco a brincar e um bastante a sério também,
ilustro dizendo que é como “querer rezar a deus e ao diabo”.
Geramos dualidades quando queremos tudo, sem abdicar de
nada. E se há situações em que é possível conciliar sim, com umas quantas
adaptações e com algum engenho podemos transformar aquilo que nos parece exigir
um “ou” em um “e”; se há casos em que podemos
sim conciliar duas situações de dois mundos diferentes, há situações em que
isso não é possível, em que a escolha é a única via evolutiva.
A dualidade e as suas consequências negativas surgem quando
essa escolha que unifica não é possível, mas insistimos em forçar situações, na
verdade insustentáveis por muito tempo, por não aceitarmos esse facto simples.
Os exemplos são muitos e se há uns mais óbvios há outros bem
mais subtis.
Queremos ser saudáveis, mas não cuidamos do nosso corpo, da nossa
alimentação, de fazer exercício, etc...
queremos a segurança de um emprego “seguro”, mas queremos
também a liberdade, criatividade, fazer o que gostamos quando queremos e como
queremos;
queremos ser curadores, Mestres de Reiki, ou outra coisa do
gênero, mas também fumar e poluir a nossa energia de variadas formas;
queremos ser livre e fazer o que nos apetece, mas também
queremos a mesada ou a ajuda do pai;
queremos o aconchego da vida familiar e da relação
monogâmica, mas também queremos a movida dos relacionamentos de ocasião,
queremos ter filhos, mas queremos continuar a sair todas as
noites e ir de férias para o fim do mundo;
queremos ser espirituais e falar de amor como quem fala de
tremoços, mas não queremos perdoar quem nos é mais próximo;
Queremos, queremos, queremos...
E é exatamente esse o nosso problema: queremos sempre receber mais do que dar.
Muitas vezes não queremos o trabalho que está subjacente à escolha, então, evitamos fazê-la.
A questão são as consequências disso... físicas, por via psicossomática,
energéticas, por via de brechas no campo individual, mentais, por via da tensão
gerada por dois polos em permanente conflito.
O gasto de energia necessário para trazer uma
compatibilidade artificial para situações que são na sua essência incompatíveis
é gigantesca, e para além de ser uma completa perda de tempo, pois haverá
sempre um ponto em que os recursos terminam e a realidade toma o lugar do “faz
de conta”, e fecham-se as cortinas do teatro.
Acabou a peça, ou a fantochada, como preferirem.
Aí, eventualmente poderemos olhar para trás e ver quanto tempo, quanta energia se perdeu na insistência teimosa de tentar misturar água com azeite.
Então, o primeiro desafio é saber distinguir o que é e não é
conciliável na nossa vida.
Há situações que se afiguram como escolhas que nos vão desafiar à unificação. Estas não são dualidades. Sim, é possível, ter filhos e sair, viajar, etc... e por aí vai ... é só uma questão de ajustes e adaptações.
Todavia há outras que serão sempre inconciliáveis, e são
estas que, se presentes em nossa vida, é urgente, fundamental e vital
reconhecer para fazer o que tem de ser feito.
É verdade, este é um grande desafio, e fugimos dele por
caminhos bem sinuosos, que, no final das contas, são sempre mais duros que
aquele que se abriria se tivéssemos sabido fazer a escolha, se tivéssemos
sabido abdicar daquilo que não nos servia mais e lutado por aquilo que queríamos realmente.
Então, saibamos colocar os olhos sobre as dualidades que
criamos em nossa vida e tenhamos a coragem, o ímpeto ígneo de encetar um novo Caminho
de passo firme e pesado de convicção, calcado por aquele “bicho” que há em todos nós...
aquele “que espeta os cornos no Destino”.
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